Mensagem de docente enviada à família do aluno diz que ele não conseguiu socializar quando o prefeito João Campos (PSB) compareceu à inauguração da escola.
Comemorações escolares em homenagem ao Dia das Mães são experiências que habitualmente guardamos na memória pelo resto da vida. Apresentações ensaiadas, cartazes com tinta guache e músicas sobre amor fazem parte das lembranças comuns da infância, mas não foi assim para um aluno de 6 seis anos da escola Doutor Antônio Correia, da Rede Municipal do Recife
O menino é uma criança neuroatípica que não será identificado, como determina o Estatuto da Criança e do Adolescente. Na quinta-feira (9), a mãe dele recebeu uma mensagem por WhatsApp de uma professora recomendando que ele não comparecesse à comemoração do Dia das Mães no dia seguinte porque a situação seria “perigosa” para ele.
Segundo a avó da criança, que não será identificada, o menino tem diagnóstico de TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) e o laudo foi entregue à escola. No entanto, o menino não tem acompanhamento especial em sala de aula.
“Minha filha disse que a escola informou que a monitoria tinha sido solicitada, mas ainda estava aguardando”, contou a avó do menino ao g1, por telefone. Dessa forma, desde o início do ano, a criança estuda sem acompanhamento especial, como determina a legislação brasileira.
O caso foi denunciado pela educadora Rayza Bazante através de um vídeo publicado em sua conta pessoal no Instagram. Nele, Rayza mostra a mensagem enviada pela escola à mãe do menino e pede explicações à Secretaria de Educação do Recife e ao prefeito João Campos (PSB) sobre o ocorrido.
No texto enviado pela professora à mãe do aluno, a docente menciona uma situação em que o prefeito João Campos foi à inauguração da escola e alega que o garoto não teria conseguido socializar. Com esse argumento, foi recomendado que o garoto não comparecesse em dias festivos. Confira o texto da mensagem:
“Boa tarde, com relação a amanhã é um dia letivo, porém é um dia de festividade. E a professora [suprimido] sente que esse momento de festividade com muita gritaria, com som alto e pessoas desconhecidas num ambiente escolar é perigoso. Não sei se a senhora lembra quando houve a inauguração da escola, quando o prefeito veio, [o menino] não conseguia socializar e nem responder aos comandos. Então por essa questão, a professora [suprimido] orienta que em dias de festividade ele não venha”, dizia o texto.
Em contato com o g1, a avó do aluno contou que, pouco depois das aulas na escola terem começado, a família já havia sido recomendada a buscar o menino uma hora antes do fim da aula, com a justificativa de que ele ficava muito inquieto. Desde então, ele sempre larga uma hora mais cedo.
“Ele estava na escola onde ele não conhecia ninguém, nem coleguinhas, nem professora. Como outra criança qualquer, ele estranhou, ficou recuado. Aí a professora conversou com ela [a mãe]. O horário dele era para largar às 11h30, mas como depois das 10h ele ficava estressado, não parava quieto, ela pediu para a gente pegar ele antes”, contou a avó.
Ainda de acordo com ela, embora ele realmente possua dificuldades de socialização, não tem problemas com música alta. Pelo contrário, adora dançar e se divertir. Segundo ela, a mensagem recomendando que ele não participasse da comemoração surpreendeu a família.
“Ele estava muito animado para ir porque, se tem uma coisa que ele é louco, é pela mãe dele. Ele é animado, ele gosta de dançar, então não tem esse problema com som alto, nem nada. O problema dele é, como toda outra criança, estranhar o ambiente”, comentou.
Direito à educação
No vídeo em que a educadora Rayza denuncia o caso, ela reforça que todas as crianças têm direito à educação e que, no caso de crianças neuroatípicas, existe ainda o direito ao acompanhamento pedagógico, essencial para que o aluno também seja socializado e tenha suas necessidades especiais atendidas.
Segundo Rayza, o aluno não compareceu à atividade, como recomendado, e a situação causou muita angústia à família do garoto, da qual ela é próxima. No dia seguinte, ainda de acordo com Rayza, a escola chegou a encaminhar os vídeos das atividades das quais o menino foi privado de participar, à mãe dele.
O g1 entrou em contato com a prefeitura do Recife questionando qual o posicionamento da gestão municipal sobre a exclusão do menino das comemorações escolares; se a professora foi autorizada pela direção da escola a recomendar que a criança não comparecesse; e se houve alguma punição ou retratação a respeito do caso.
A Secretaria de Educação do Recife não cedeu representante para a entrevista e enviou apenas uma nota em que diz que:
Repudia toda e qualquer situação discriminatória em relação a estudantes da educação especial;
Em nenhum momento repassou orientação para a professora relacionada à exclusão do aluno das atividades;
Abriu um processo administrativo disciplinar para apurar o caso;
Em janeiro de 2023, instituiu por meio de decreto a Política Pública de Educação Especial Inclusiva para estudantes da rede municipal.
O prefeito João Campos também postou em sua conta pessoal do Instagram, na tarde desta quinta, um vídeo comentando o caso. Ele classificou a situação como “completo absurdo” e prometeu uma apuração rigorosa do ocorrido.
O g1 perguntou à prefeitura do Recife se o aluno tem acompanhamento durante as aulas, como determina a lei no Brasil e, em caso afirmativo, por que este profissional não estava monitorando a criança durante as atividades escolares, inclusive durante as festividades, como a festa de Dia das Mães.
Também questionou o motivo de o estudante ser liberado das aulas diariamente na hora do recreio, deixando de completar o horário comum aos demais colegas? A prefeitura do Recife não respondeu as perguntas até a última atualização desta reportagem.