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Em um ano, Pernambuco reduz em R$ 1,2 bilhão investimentos em assistência hospitalar

Em 2023, governo investiu R$ 6,54 bilhões na área, 15% a menos do que no ano anterior. Desde abril, estado vivencia situação de emergência por superlotação nas UTIs pediátricas.

Em um ano, o governo de Pernambuco reduziu em pouco mais de R$ 1,2 bilhão o volume de gastos com investimentos em assistência hospitalar e ambulatorial. Um levantamento da TV Globo com base em dados do Portal da Transparência mostra que, em 2023, o estado investiu R$ 6,54 bilhões na área. Em 2022, o total investido foi de R$ 7,75 bilhões. Uma redução de 15%

Essa é a primeira vez em 16 anos que houve queda nos aportes feitos na rede pública de saúde do estado. O valor reduzido é quase o dobro do que foi gasto, por exemplo, com a construção da Arena de Pernambuco, que custou mais de R$ 740 milhões na época das obras.

Além disso, segundo dados do Tribunal de Contas do Estado (TCE), os principais hospitais públicos de Pernambuco, como os da Restauração, Getúlio Vargas e Barão Lucena, sofreram cortes de financiamento. Por lei, os recursos que foram cortados deveriam ter sido aplicados em despesas com internações e tratamento ambulatorial, incluindo exames de laboratório.

O problema chama a atenção diante da superlotação das UTIs pediátricas e neonatais devido ao aumento no número de casos de síndrome respiratória em crianças, o que fez o estado decretar situação de emergência em abril.

Nesta quinta-feira (16), o Sindicato dos Médicos de Pernambuco (Simepe) divulgou uma nota expressando preocupação e cobrando medidas para lidar com a crise, que se repete desde o ano passado. “A rede estadual de saúde precisa se precaver com mais leitos de UTI pediátricos, uma melhor distribuição de medicamentos e recursos médicos suficientes para evitar futuras tragédias”, afirmou a entidade no texto.

Procurada, a Secretaria de Saúde informou que a assistência hospitalar e ambulatorial é uma subfunção dentro do orçamento da saúde e disse que houve alterações na classificação dessas despesas de 2022 para 2023, sem detalhar as mudanças

Com a redução dos valores, o percentual de participação dos gastos com assistência hospitalar e ambulatorial em relação ao total de investimentos feitos pelo estado, que já vinha caindo desde 2021, também diminuiu no último ano, voltando ao patamar de 2014.

Cortes nos hospitais públicos
Os cortes no financiamento da área atingiram os principais hospitais da rede pública estadual no Recife entre os anos de 2022 e 2023. Entre eles, estão:

Hospital da Restauração, maior unidade de saúde pública da cidade, localizada no bairro do Derby — recebeu 5,74% de recursos a menos (de R$ 136,9 milhões para R$ 129 milhões);
Hospital Getúlio Vargas, unidade de referência em traumatologia, cirurgias vasculares e bucomaxilares, localizada no bairro do Cordeiro — teve redução de 7,25% de recursos (de R$ 63,6 milhões para R$ 58,9 milhões);
Hospital Barão de Lucena, maior emergência pediátrica do estado, no bairro da Iputinga — teve perda de 13,8% de recursos (de R$ 48 milhões para R$ 41,4 milhões).
Nos últimos meses, o g1 e a TV Globo noticiaram alguns dos principais problemas identificados nessas três unidades.

Na Restauração, onde recentemente um paciente foi morto após roubar a arma de um vigilante e assassiná-lo a tiros, acompanhantes de pessoas internadas foram encontrados dormindo em pedaços de papelão do lado de fora do prédio.

No Getúlio Vargas, funcionários denunciaram diversas falhas de estrutura no local, incluindo goteiras e acúmulo de lixo no primeiro andar do prédio, conhecido como “corredor da morte”.

Já no Barão de Lucena, o principal problema é a falta de insumos básicos, o que motivou o Conselho Regional de Medicina (Cremepe) a abrir um processo contra o governo do estado.

‘Impacto é real’, diz pesquisadora
De acordo com a médica sanitarista Bernardete Coelho, que é pesquisadora e especialista em saúde coletiva pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), embora os recursos não sejam destinados para a contratação de pessoal e a distribuição de medicamentos, eles devem ser usados para garantir o suporte aos pacientes.

“O impacto é real. O sofrimento de quem precisa de internação num ‘leito’, esperando 30, 50, 60 dias… Quem espera sete dias, 14 dias, por um leito de UTI, chega muito grave… É uma situação crônica o ano todo, mas que principalmente essa época do ano precisa ser planejada por causa das doenças respiratórias, pelas chuvas sazonais”, afirmou a especialista.

Para Bernadete Coelho, a solução para melhorar a saúde pública em Pernambuco passa por um aumento do orçamento para a área, mas deve ir além:

“Aumentar [os recursos financeiros] privatizando não é saída; sem integrar com a necessidade das pessoas, não é saída. Tem que integrar planejamento, gestão e financiamento com base territorial, se aproximando das pessoas reais e de seus sofrimentos e adoecimentos reais”, pontuou a médica sanitarista.

Profissionais relatam cenário ‘devastador’
A presidente em exercício do Cremepe, Claudia Beatriz Andrade, disse que a redução dos gastos também deixa impactos nos profissionais que atuam na linha de frente.

“Estamos ouvindo relatos de médicos que, em tantos anos de servidor público, nunca viram um cenário tão devastador quanto o atual, quando se fala de desabastecimento, que chega ao momento de fazerem cotas para comprar a medicação do paciente naquele momento”, afirmou.

Segundo a médica, esse cenário deixa os trabalhadores esgotados. “Temos um quadro de profissionais que estão tão esgotados, estão desacreditados de uma esperança num futuro próximo, que estão querendo abandonar os postos de trabalho”, contou.

O que diz o governo de Pernambuco
Por meio de nota, a Secretaria Estadual de Saúde (SES) informou que:

O orçamento da saúde é subdividido em subfunções de governo, e a Assistência Hospitalar e Ambulatorial é uma delas;
Aumentou em R$ 100 milhões os investimentos em toda a área de saúde em 2023;
Em 2022, os gastos foram classificados na subfunção de Assistência Hospitalar, mas, no ano seguinte, houve alterações na classificação dessas despesas;
Não houve diminuição dos serviços ou dos investimentos financeiros na saúde do estado;
Em 2023, o total de investimentos na área foi de R$ 8,4 bilhões, e em 2022, foi de R$ 8,3 bilhões.

A TV Globo perguntou à SES quais foram as alterações feitas na classificação dos gastos com assistência hospitalar, mas não recebeu resposta até a última atualização desta reportagem.

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